Fiocruz-ICC desenvolve kit inovador para diagnóstico rápido em roedores silvestres

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Claudia Nunes Duarte dos Santos

Título do projeto: Hantavirose e Arenavirose no Brasil: Desenvolvimento de insumos para o diagnóstico rápido em roedores silvestres através da plataforma de cromatografia de fluxo lateral

A síndrome cardiopulmonar associada ao hantavírus (SCPH) é uma imunopatologia de rápida progressão que se inicia com uma febre moderada podendo evoluir para edema pulmonar não cardiogênico e choque. Não existem tratamentos ou vacinas contra a SCPH.

No Brasil é um agravo de notificação compulsória. A exposição ao vírus é principalmente relacionada a atividades ocupacionais como agricultura, porém a destruição de habitats naturais em razão do desmatamento ou expansão urbana, assim como atividades de caça, pesca e camping favorecem o contato de humanos com roedores, aumentando as chances de infecção por hantavírus.

A hantavirose é uma robovirose (rodent-borne vírus) causada por membros do gênero Hantavirus da família Bunyaviridae.  A transmissão ao homem ocorre principalmente por meio de inalação de aerossóis gerados por fezes, urina e saliva de roedores infectados. Menos de uma década após a descrição inicial, a SCPH tornou-se uma zoonose pan-americana em razão das numerosas espécies de Hantavirus que são mantidas por roedores da subfamília Sigmodontinae.

Como a SCPH é uma doença com taxas de mortalidade de ~40% no Brasil e o manejo clínico e o suporte hospitalar são as únicas formas disponíveis para o tratamento, um teste diagnóstico simples, rápido e inequívoco é fundamental para contribuir na redução da morbidade e mortalidade deste agravo. Associado a isso, a detecção rápida de imunoglobulinas tipo G (IgG) em roedores silvestres potenciais carreadores de hantavírus em campo, permitirá a rápida tomada de ações de medidas educativas e preventivas em locais com e sem notificação de casos de SCPH.

Há alguns anos, nossa equipe realizou a primeira caracterização molecular completa do segmento S, que codifica a nucleoproteína de um hantavírus no País. Os dados gerados foram utilizados para a clonagem, expressão e caracterização da nucleoproteína recombinante, que foi usada como antígeno no desenvolvimento de kits para o diagnóstico sorológico de infecções por hantavírus em humanos e roedores. Temos utilizado o ensaio imunoenzimático (EIE) que produzimos para o diagnóstico da SCPH em casos humanos suspeitos, e também em amostras de roedores silvestres potencias reservatórios dos hantavírus. Estes estudos são realizados em áreas com e sem notificação de casos humanos para implementação de medidas de controle da doença como também estudos eco-epidemiológicos. Esta pesquisa tem permitido mapear a distribuição e as espécies de roedores positivos em todo o estado do Paraná e vem sendo utilizada para orientar medidas preventivas nestas regiões. Vale ressaltar que a coleta de amostras de roedores é realizada por grupos licenciados, cumprindo todas as determinações legais.  

Mais recentemente com o apoio do PROBIOII, financiado pelo GEF (Global Environmental Facility) e Banco Mundial, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, em execução pelo Programa Institucional Biodiversidade & Saúde -PIBS/Presidência da Fiocruz e com a transferência de tecnologia parcial de BioManguinhos, desenvolvemos e validamos testes rápidos por imunocromatografia de fluxo lateral (point-of-care tests) para detecção de infecções por hantavírus. Estes testes podem ser realizados no campo e não necessitam de equipamentos ou mão de obra especializada, nem necessitam de armazenamento a frio.  Uma gota de sangue total recolhido da veia da cauda de roedores silvestres coletados em campo é aplicada ao suporte do teste seguido da adição três gotas do tampão de amostra. Após 15 minutos, dentro da própria embalagem que acompanha o teste, a revelação está concluída e a leitura é visual. Este tipo de abordagem diagnóstica permite examinar os animais na própria área de coleta sem necessidade de submeter os roedores a eutanásia ou causar algum tipo de injuria grave. As análises convencionais utilizam testes formato EIE, que implicam na coleta, sacrifício e transporte do material aos laboratórios para a realização dos testes, pois necessitam de equipamentos e pessoal capacitado. Além disso, sabe-se que a diminuição da complexidade de espécies de roedores reservatórios de hantavírus em uma determinada área está relacionada ao aumento do número de roedores positivos para hantavírus.  Até o momento já triamos em torno de 700 amostras de roedores e o teste rápido apresentou elevada concordância com os testes convencionais e foi capaz de detectar infecções por quatro diferentes tipos de hantavírus circulantes na América do Sul.

Atualmente estamos desenvolvendo estes testes rápidos para detecção de arenavírus e futuramente idealizamos incluir outras viroses relacionadas a zoonoses de importância clínica. Esperamos ampliar nossas análises e realizar coletas de roedores em ambientes com alteração de paisagem biogeográfica para verificar o impacto da destruição da biodiversidade na alteração nos níveis de anticorpos contra hantavírus e arenavírus nestes animais e o potencial aumento no risco de transmissão destes robovirus para a população humana. Os estudos de mapeamento da distribuição e prevalência de espécies permitirá determinar a taxa de circulação do vírus em roedores reservatórios e adotar medidas de prevenção visando a redução dos casos de SCPH na população.