Bicho no SISS-Geo: SABIÁ-LARANJEIRA

Crédito
Jessica A. de Oliveira - Equipe Pibss Fiocruz


Colaborador: Saulo Toledo de Araújo
Local: Teresópolis/RJ
Registro no SISS-Geo: 8673


 

Turdus rufiventris (Vieillot, 1818)

Ave onívora com preferência insetívora da família Turdidae, a qual engloba os sabiás. Seu nome científico significa: Turdus = tordo; e rufi/rufus = um amplo espectro de cores de amarelo, laranja, marrom, vermelho e castanho; venter/ventris = ventre, barriga. (Tordo com a barriga castanha). Único sabiá com tom laranja na parte ventral, apresenta anel ocular amarelo vivo, garganta branca rajada de marrom, e pés na cor rosa-cinzentos. Medem 24,5 cm de comprimento. Os machos pesam 80g e as fêmeas 70g.  

Reino: Animalia
   Filo: Chordata
     Classe: Aves
       Ordem: Passeriformes
          Família: Turdidae
            Gênero: Turdus
              Espécie: Turdus rufiventris

Duas subespécies

-Turdus rufiventris rufiventris (Vieillot, 1818) ocorre no sudeste e sul do Brasil, caracterizada pelo ventre cor vermelho-ferrugem, levemente alaranjado bem forte.
-Turdus rufiventris juensis (Cory, 1916) restrita ao nordeste brasileiro, caracterizada pelo ventre de cor mais clara que os exemplares do sul e sudeste.
 

Distribuição: Reside na Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil, com alguns indivíduos podendo se deslocar para o Uruguai durante a estação reprodutiva. No território brasileiro está presente do Maranhão ao Rio Grande do Sul. É o sabiá mais popular do Sudeste e menos numeroso no Nordeste  

Mapa de distribuição da espécie Turdus rufiventris. Adaptado do site eBird - The Cornell Lab of Ornithology. Imagem fornecida por eBird (www.ebird.org) e criada em 28 de janeiro de 2022.

Ecologia: Vive em ambientes abertos, preferencialmente nas bordas de matas, pomares, capoeiras, entorno de estradas, praças e quintais. Convive bem com ambientes modificados pelo homem, seja no campo ou na cidade. Vivem em casais e grupos familiares durante a criação de filhotes. Em áreas urbanas são comumente vistos sozinhos saltitando no chão para forragear. 
A dieta é composta basicamente de insetos, larvas, minhocas e frutas maduras, incluindo frutas cultivadas como o mamão, a laranja e o abacate. Por gostar tanto de frutas e ser adaptado à presença humana, o sabiá-laranjeira é uma das espécies que frequenta comedouros artificiais instalados em casas e apartamentos, além de curiosamente serem atraídos por ração de cachorro. Os indivíduos dessa espécie também têm papel ecológico na dispersão de sementes, pois cerca de uma hora após a ingestão de frutas e coquinhos eles cospem os caroços ajudando no plantio e regeneração de áreas. 
A fêmea de sabiá-laranjeira choca até três vezes por ano e em cada postura coloca de três a quatro ovos, que são de cor verde-azulada com manchas de cor de ferrugem (sépia). A incubação dura em torno de 13 dias, e o ninho é feito entre setembro e janeiro. Geralmente, a construção é realizada em arbustos, árvores de folhagem densa ou bananeiras e beirais de telhados, nos quais os indivíduos empregam fibras e gravetos ligados por um pouco de lama, num formato de tigela funda. Por dentro, os ninhos são revestidos de materiais mais macios como hastes de flores e capim.
A fêmea é a única responsável na construção do ninho e pela incubação dos ovos, enquanto cabe ao macho apenas a função de proteção, demarcando seu território quando está na fase de reprodução e não aceitando a presença de outras aves da espécie próximas ao ninho.

Conservação: Apesar de não ter o tamanho populacional quantificado, mas por ocupar grande distribuição geográfica e ser uma ave de ocorrência "comum", seu status de conservação é pouco preocupante, ou seja, não apresenta risco iminente de extinção (IUCN, ICMBio). 

Para que uma espécie seja considerada em risco de extinção  é preciso:

- Ocupar um território menor que 20.000 km²; 

- Tamanho populacional decrescente ou flutuante, ou menor que 10.000 indivíduos maduros, com um declínio contínuo estimado em mais que 10% em dez anos ou três gerações; 

- População restrita a um pequeno número de locais ou locais criticamente fragmentados.  

Curiosidades: O sabiá-laranjeira é a ave símbolo do estado de São Paulo, também considerada ave símbolo do Brasil, apesar de muitos contestarem alegando que a ararajuba é a representante brasileira. Em outubro de 2002, por decreto presidencial, o sabiá-laranjeira juntou-se oficialmente aos outros quatro símbolos de representação do Brasil: a bandeira, o hino, o brasão de armas e o selo. Em tupi, sabiá significa “aquele que reza muito”, em alusão à voz dessa ave. 
Este turdídeo também é uma ave popular entre poetas, e foi imortalizada na “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. No mundo da música está presente na discografia de grandes ícones nacionais como Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Zé Dantas com as canções de nome “Sabiá”, mas além destas, a espécie marca presença nas obras “Tristeza do Jeca” de Tonico e Tinoco, “Recortado Paulista” de Vieira e Vieirinha, “Majestade, o sabiá” de Roberta Miranda, “Saudade da minha terra” de Belmonte & Amaraí com Sergio Reis, entre outras.

Importância para a saúde:  O sabiá-laranjeira é uma ave que convive com os humanos. Como outras aves e animais, eles podem ser infectados por parasitos e se tornarem importantes para a saúde humana, especialmente nos ambientes urbanos, onde compartilham espaços com diversas espécies de vetores.
Pela proximidade nos centros urbanos e, especialmente, pelo hábito das pessoas manterem os sabiás em gaiolas em todo o Brasil, é importante o monitoramento desses animais e a precoce detecção de agentes infecciosos, assim como da presença de mosquitos vetores e da qualidade do ambiente onde todos vivem. Com intuito de conhecer os parasitos naturalmente presentes nesta espécie e outros que chegam importados e neles encontram a oportunidade de se estabelecer e disseminar, diversas pesquisas vêm sendo realizadas. Recentemente, foi verificada a presença das bactérias Staphylococcus aureus, Yersinia enterocolitica, Salmonella spp. e Escherichia coli nas fezes destas aves, assim como de outras, que podem causar pneumonias e infecções no trato digestório. O encontro do protozoário Sarcocystis sp. também já foi registrado em T. rufiventris em diagnóstico histológico no músculo cardíaco, demonstrando que estes animais podem ser fontes de infecção direta ou indireta da sarcocistose.

O Rotavirus também pode infectar os sabiás como hospedeiros intermediários. Apesar de existir vacina disponível no calendário de vacinação do Brasil, ainda é uma das mais importantes causas de diarreia grave em crianças menores de cinco anos no mundo, particularmente nos países em desenvolvimento.

Apesar de poderem hospedar diversos parasitos como todas as espécies, inclusive a humana, a simples presença de um parasito não determina o aparecimento de doenças e os motivos para isso são diversos, como o compartilhamento de alimentos, o convívio de humanos e outros animais em cativeiro, em especial aqueles em más condições sanitárias, tráfico de animais silvestres, manuseio inadequado, condições físicas, imunológicas, nutricionais dos indivíduos, entre outras. São estes, dentre outros motivos, que dão importância ao monitoramento e à vigilância participativa em Saúde.

Recentemente, o T. rufiventris foi uma das espécies de aves silvestres selecionadas para o estudo da presença do vírus causador da Febre do Oeste do Nilo (FON) no Brasil. Desde 2014, quando tivemos o primeiro caso humano da doença no Brasil, no Piauí, a vigilância deste vírus ganhou importância e exemplifica a importância da aplicação do conceito de Saúde Única nas ações de saúde humana e na conservação da biodiversidade. [Conheça mais sobre a FON no texto a seguir]

Os resultados desta pesquisa apontaram que o sabiá-laranjeira não é apenas um dos hospedeiros do vírus no território brasileiro, mas também está entre as espécies com maior capacidade de amplificá-lo, o que o torna uma espécie sentinela na vigilância desta arbovirose e outras zoonoses. Conhecendo o comportamento do vírus e como ele se distribui entre as diversas espécies de aves e de outros animais, é possível  direcionar políticas públicas que visem a conservação das espécies hospedeiras em seus habitats naturais. A manutenção de áreas naturais em tamanho suficiente nos espaços rurais e urbanos também é fundamental para que agentes infecciosos se mantenham restritos aos seus ciclos naturais, com baixo risco de transmissão aos animais e humanos. Por este e outros motivos, a  liberação da criação e comercialização de animais silvestres como PETs, a caça e o tráfico de animais silvestres são atividades de alto risco para o surgimento de novas zoonoses.  

Vale sempre lembrar que a prevenção de doenças é sempre mais efetiva e econômica e que, em muitos casos, pode ser feita por cada um de nós. No caso das doenças provocadas por bactérias e protozoários citados acima, os cuidados de prevenção são a boa higienização das mãos, dos locais onde há grande deposição de excretas de aves, e dos alimentos que serão consumidos ou manuseados. Para a prevenção de Rotavírus a vacina é disponibilizada pelo SUS e faz parte do calendário de vacinação das crianças, já que a contaminação fecal-oral, é mais comum nesta faixa etária. Para o FON, não há vacina, e a melhor forma é o controle de larvas e mosquitos adultos e atenção aos sintomas.

Espécie identificada pela M.Sc. Jessica A. de Oliveira do Laboratório e Coleção de Aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Texto elaborado por Jessica A. de Oliveira. 

Fontes:
  

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Wikiaves. Sabiá-laranjeira – Disponível em: https://www.wikiaves.com.br/wiki/sabia-laranjeira. Acesso em 22  jan. 2022.