Leia a entrevista com Márcia Mourão do MAPA

CISS - Qual a importância das notificações de doenças em animais para a saúde das pessoas e da pecuária (e demais criações) no Brasil?

Márcia Mourão - O sucesso no controle de doenças humanas ou animais depende do acesso rápido, completo e transparente a informações sobre a situação sanitária.
O conhecimento acurado e oportuno sobre a ocorrência de determinadas doenças é fundamental para subsidiar a análise da situação de saúde animal no País, implantar políticas de saúde pública e saúde animal, aplicar medidas para impedir sua disseminação e garantir sua contenção ou erradicação, permitindo retomar a condição de livre da doença ou estabelecer rapidamente um programa eficaz para seu controle.  Além disso, a rapidez e transparência na notificação asseguram ao país e à autoridade sanitária credibilidade perante a sua sociedade, à comunidade internacional e aos parceiros comerciais, no caso de doenças de interesse no comércio internacional.
Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal – OIE, doença de notificação ou declaração obrigatória é definida como “doença inscrita em uma lista pela autoridade veterinária e cuja presença deve ser levada ao seu conhecimento assim que for detectada ou observada uma suspeita, em conformidade com a regulamentação nacional”.
No Brasil, a Lista de doenças animais de notificação obrigatória ao Serviço Veterinário Oficial (representado pelos serviços de defesa agropecuária dos estados e Superintendências Federais de Agricultura - MAPA) está publicada na Instrução Normativa nº 50, de 23 de setembro de 2013.

CISS - Qual a importância dos animais silvestres brasileiros neste contexto?

Márcia Mourão - Os animais silvestres têm importância tanto no contexto da defesa sanitária animal como da saúde pública, pois podem atuar como reservatórios e portadores de muitas doenças, representando um risco para transmissão a humanos e animais domésticos, dependendo da situação epidemiológica.
O sistema de notificação de doenças da Organização Mundial de Saúde Animal prevê a notificação internacional das doenças de sua Lista, tanto em espécies domésticas como silvestres.
Várias espécies silvestres podem manter a circulação viral de agentes de doenças presentes na lista como doenças de notificação imediata, como a influenza aviária, língua azul, doença hemorrágica epizoótica, febre do Nilo, encefalites equinas, febre Q, raiva, peste suína, clamidiose, entre outras.
Assim, a notificação de suspeitas dessas doenças, seja a partir da detecção de casos clínicos compatíveis ou de testes laboratoriais, é importante para que o serviço veterinário oficial identifique áreas de circulação dos agentes ou da doença, de forma a prevenir sua disseminação para seres humanos e animais domésticos, minimizando os impactos na saúde pública e no comércio internacional.

CISS - Qual a importância do Brasil no cenário internacional?

Márcia Mourão - O Brasil apresenta expressivo crescimento no comércio internacional do agronegócio, consolidando sua posição como um dos maiores produtores e exportadores de alimentos para mais de 200 países. Atualmente somos o maior exportador mundial de carne de frango, o segundo em carne bovina e o quarto em carne suína.
A crescente demanda e a maior exigência dos consumidores por alimentos saudáveis e de qualidade, aliada à preocupação com a sanidade animal e vegetal, tornou indispensável a questão sanitária nas negociações internacionais. Entre os requisitos para exportação, o Brasil precisa demonstrar sanidade de seus rebanhos, e a capacidade do Serviço Veterinário para detectar, prevenir e controlar doenças animais, que possam significar risco ao comércio internacional e à saúde pública.

CISS - Quais os novos desafios para monitorar as doenças nos animais silvestres?

Márcia Mourão - A OIE publicou, em 2011, um “Manual de formación sobre las enfermedades y la vigilancia de los animales silvestres” para assessorar a vigilância, que descreve muito bem as formas, componentes e desafios dessa atividade. Para a vigilância das doenças de animais silvestres, que proporciona a informação necessária para o conhecimento da situação sanitária de determinadas doenças, é necessário um sistema organizado de observação dos animais silvestres a campo, incluindo laboratórios de diagnóstico e sistemas de gestão da informação e fluxos de comunicação.
Os componentes mais importantes do programa de vigilância são:

1. Detecção de animas mortos ou doentes e coleta de amostras (definição de caso suspeito ou provável de determinada doença);
2. Identificação dos patógenos e doenças (diagnóstico, provas laboratoriais, definição de caso confirmado)
3. Gestão da informação: registro informatizado de todos os dados coletados;
4. Análise e comunicação dos dados: mapas, estatísticas, informes, análises de risco.

Os problemas específicos da vigilância de patógenos de animais silvestres estão bem descritos no “Manual de formación sobre las enfermedades y la vigilancia de los animales silvestres”. Um deles é a falta de atribuição clara sobre essa atividade na estrutura dos órgãos públicos, sendo necessária uma colaboração das instituições governamentais, com universidades e organizações não governamentais, que requer estabelecimento de objetivos e responsabilidades específicas no sistema de vigilância e o intercâmbio de informações. Outro problema é a dificuldade de detecção de doenças em populações selvagens, o que requer tempo, recursos e esforço continuado, além de necessidade de planejamento e recursos maiores no caso de uma vigilância específica ou dirigida. Por fim, a diversidade de espécies, que traz necessidade de identificação correta do hospedeiro, e diagnóstico apropriado em cada tipo de patógeno.

CISS - A lista de doenças para notificação é limitada. Quais os riscos?

Márcia Mourão - A IN MAPA 50/2013 estabelece que a notificação também deve ser imediata para qualquer doença animal que não pertença à lista de notificação, quando tratar-se de doença exótica ou emergente, que apresente índices de morbidade ou mortalidade expressivos ou repercussões para saúde pública.

CISS - Qual o papel do Mapa no monitoramento das doenças de animais silvestres?

Márcia Mourão - O MAPA não tem como objetivo específico de suas atividades em saúde animal o monitoramento de doenças em animais silvestres, até por que há instituições especializadas em vida selvagem e que se relacionam com o MAPA. Porém, em algumas situações, quando a saúde das populações de animais domésticos ou a saúde pública estão ameaçadas por alguma doença que tem nos animais silvestres o seu reservatório, o MAPA pode utilizar ferramentas de vigilância especifica ou dirigida, para monitorar a circulação ou até coordenar a aplicação de medidas de controle de patógenos que podem ser transmitidos às populações humanas e de animais domésticos (ex: raiva). Em alguns casos, pode ser necessário trabalhar em conjunto com outros órgãos, como o IBAMA, ICMBio, Ministério da Saúde ou universidades e instituições de pesquisa (monitoramento de influenza aviária, peste suína etc.)

CISS - Quais os critérios que o MAPA usa para estabelecer a lista de doenças de notificação obrigatória no Brasil?

Márcia Mourão - A lista de doenças de notificação ao Serviço Veterinário Oficial é baseada na Lista de Doenças da OIE, e se encontra publicada na IN MAPA nº 50/2013.
As doenças incluídas na Lista da OIE são aquelas que atendam os seguintes critérios: risco comprovado de disseminação internacional e que existam países livres dessa doença; além de: transmissão natural aos seres humanos, com graves consequências; ou morbidade/mortalidade significativas em populações de animais domésticos; ou evidência científica de que cause morbidade/mortalidade significativas em populações de animais domésticos ou silvestres; e que haja meios de detecção e diagnóstico confiáveis  e definição de caso clara, que permita identificá-la corretamente e diferenciá-la de outras doenças.
Além desses critérios, na elaboração e classificação da Lista nacional as doenças foram selecionadas considerando também:

• presença ou ausência da doença no País, zona ou unidade federativa;

• existência de programa sanitário oficial para prevenção, controle ou erradicação;

• impacto na pecuária e comércio de animais, seus produtos e subprodutos;

• importância estratégica para a produção pecuária nacional; e

• compromissos de certificação sanitária internacional.

A classificação levou à definição de quatro categorias conforme prazo de notificação:

Categoria 1: doenças erradicadas ou nunca registradas no País, que requerem notificação imediata de caso suspeito ou diagnóstico laboratorial

Categoria 2: doenças que requerem notificação imediata de qualquer caso suspeito

Categoria 3: doenças que requerem notificação imediata de qualquer caso confirmado

Categoria 4: doenças que requerem notificação mensal de qualquer caso confirmados.

CISS - E os animais silvestres neste contexto?

Márcia Mourão - Todas as doenças da lista são notificáveis tanto se ocorrerem nas espécies animais em que figuram na Lista, como em espécies silvestres, principalmente as doenças de notificação imediata.

CISS - Como a OIE está organizada no Brasil?

Márcia Mourão - O Brasil foi um dos membros fundadores da OIE, em 1924. Cada país membro é representado por um Delegado, que no Brasil, é o Diretor do Departamento de Saúde Animal, Dr. Guilherme Marques. O Delegado faz parte da Assembléia Mundial de Delegados da OIE, que se reúne uma vez por ano, em maio, em Paris. As funções da Assembléia são adotar padrões internacionais no campo da saúde animal, particularmente para o comércio internacional. Visando auxiliar nos diversos temas relacionados à saúde animal, o Delegado designa os Pontos Focais nacionais, que são para notificação de doenças, laboratórios, produtos veterinários, bem-estar animal, inocuidade alimentar e sanidade de animais silvestres.
Desde os anos 1980, a OIE vem reconhecendo, formalmente, a necessidade de ampliar suas atividades no campo da fauna silvestre. Em 2008, a OIE orientou aos Delegados de seus países membros, que designassem pontos focais nacionais para animais silvestres, e em seguida definiu suas atribuições e lançou um programa para capacitação para os mesmos. Nos seminários de treinamento, eles recebem informação sobre seu papel e responsabilidades em relação aos serviços veterinários, como o estabelecimento de uma rede de informação para doenças em animais silvestres, com ênfase nas doenças da lista da OIE, apoio ao delegado na captação e registro de dados dessas doenças, com utilização dos Sistemas da OIE para notificação (WAHIS e WAHIS wild), e participação na preparação e aprovação de normas e diretrizes gerais da OIE que envolvem animais silvestres. No Brasil, o ponto focal para animais silvestres é o Dr. Rodrigo Silva Pinto Jorge, do ICMBio/MMA.