Leia a entrevista com Rodrigo Silva Pinto Jorge do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio

CISS - Qual a importância das notificações de doenças animais para a saúde das pessoas e da pecuária (e demais criações) no Brasil?

Rodrigo Jorge - A notificação sistemática de patógenos permite quantificar e mapear a ocorrência de doenças, possibilitando que os órgãos responsáveis pela gestão da saúde pública e dos animais de criação consigam planejar adequadamente ações de controle para a circulação de patógenos de interesse, com base em informações concretas. Basicamente ter a ocorrência de doenças mapeadas e também ter uma noção da magnitude da ocorrência das doenças e, assim poder priorizar ações nos locais mais adequados e as categorias de ação mais adequadas. Por exemplo, no caso de animais silvestres ações voltadas ao controle da circulação de patógenos nestes animais.

CISS - Qual a importância dos animais silvestres brasileiros neste contexto?

Rodrigo Jorge - Historicamente são registrados tanto no Brasil quanto na Europa e América do Norte a importância dos animais silvestres como hospedeiros de alguns patógenos importantes para a saúde pública e para os animais de criação. Sabe-se, por exemplo, que o vírus da raiva circula em canídeos silvestres, como o cachorro do mato, e em morcegos. Com o controle da circulação do vírus em cães domésticos, que eram os principais hospedeiros do vírus, graças ao sucesso da vacinação realizada nestes animais, há também o controle da raiva em humanos nas zonas urbanas e também rurais. No entanto, com o controle da raiva no cão doméstico, a vigilância voltada aos animais silvestres tem sua importância aumentada, o que permite ao serviço de saúde direcionar ações de controle a locais onde é detectado o vírus em animais silvestres, para evitar a transmissão às pessoas. Uma das medidas é a vacinação de pessoas em um raio definido a partir do ponto de ocorrência de um animal positivo. O mesmo ocorre em relação às doenças de interesse para a saúde dos animais de criação.
Assim, a vigilância de doenças em animais silvestres se dá para que se possa deflagrar ações de controle nos animais domésticos e nos seres humanos em locais onde se diagnostica doenças em animais silvestres, em áreas de grande concentração de pessoas, como por exemplo, a vacinação contra a raiva.

CISS - Qual a importância do Brasil no cenário internacional?

Rodrigo Jorge - Pensando na importância em relação aos animais de criação, o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de carne bovina, suína e de frango. Existe uma preocupação internacional de que os países, de uma forma geral, comecem a ter programas de vigilância em animais silvestres. Atualmente, não se considera suficiente monitorar a ocorrência de patógenos nos animais de criação/domésticos. Para se declarar de fato uma região/país livre da circulação de determinado patógeno este controle passa a ser mais rigoroso. A Organização Mundial de Saúde tem recomendado e monitorado as ações de vigilância da ocorrência de patógenos nos animais silvestres realizada pelos países. Também em relação a saúde pública, percebe-se que diversos patógenos que tem causado surtos em nível internacional são patógenos que tem parte do seu ciclo em animais silvestres, como por exemplo a influenza aviária. Assim, também tem sido recomendada ações de vigilância nos animais silvestres com relação a estas doenças.

CISS - Quais os novos desafios para monitorar as doenças nos animais silvestres?

Rodrigo Jorge - Inicialmente é importante enfatizar que as iniciativas de monitoramento e diagnósticos de circulação de patógenos em animais silvestres tem acontecido principalmente no âmbito de projetos de pesquisa, como atividades de pesquisas cientificas que acontecem em iniciativas pontuais de forma não articulada. Um primeiro passo, ou um desafio importante seria procurar estabelecer uma rede de pesquisadores ou outros profissionais que realizem um trabalho envolvendo a saúde dos animais silvestres e que possibilite a gestão da informação de circulação de patógenos nestes animais. Acho importante destacar ainda o Centro de Informação em Saúde Silvestre da Fiocruz, como uma inciativa de cumprir esta necessidade. Um segundo desafio que eu acho importante seria de definir patógenos e grupos taxonômicos de animais silvestres que sejam prioritários para esse monitoramento. É claro que já existe a lista de doenças de notificação compulsória do Ministério da Agricultura, mas seria interessante fazer um esforço no sentido de verificar para quais destas doenças da lista existe necessidade de uma atenção maior em relação aos animais silvestres e, para quais grupos taxonômicos isso seria prioritário. E em terceiro lugar, é importante definir a partir da definição anterior, qual deve ser a metodologia de monitoramento, incluindo metodologia de exames diagnósticos, para ser considerada em uma inciativa mais organizada de monitoramento de patógenos em animais silvestres.

CISS - A lista de doenças para notificação é limitada. Quais os riscos?

Rodrigo Jorge - O importante é fazer uma análise da lista que deve ser atualizada periodicamente. E dentre as doenças listadas, avaliar quais são aquelas que se deve ter maior atenção em relação aos animais silvestres. Até porque a própria instrução normativa do Ministério da Agricultura, que define a lista das doenças, também define que as doenças, mesmos as não listadas, mas que tenham índices altos de morbidade e mortalidade, em um curto período, ou seja, acima do esperado, passem a ser notificadas de forma imediata, assim como aquelas doenças com potencial repercussão para a saúde pública.
É importante que se tenha uma visão mais ampla do conceito de “Uma Saúde”. Então a lista da OIE e que reflete na lista do Ministério da Agricultura, tem um enfoque em saúde animal e nas doenças de importância econômica. É importante também ter uma visão para aquelas doenças de importância para saúde pública e aquelas que tenham potencial impacto para conservação da biodiversidade.

CISS - Qual o papel do ICMbio no monitoramento das doenças de animais?

Rodrigo Jorge - O ICMBio tem como missão, que consta no seu próprio nome, a Conservação da Biodiversidade. Neste sentido, tem uma série de processos de trabalho dentro da própria instituição que envolve articulação e rede de pesquisadores para apoiar as atividades relacionadas a conservação da biodiversidade, como por exemplo a avaliação do risco de extinção das espécies, a elaboração de planos de ação nacionais para conservação das espécies. Por outro lado, o ICMBio tem como uma de suas atribuições a emissão de autorização de pesquisa envolvendo a fauna silvestre, o que representa um potencial interessante para atuar na gestão deste tipo de informação, mas como o processo e o próprio sistema não é desenhado para este tipo específico de monitoramento relacionado a saúde, ainda existe uma certa dificuldade de fazer a gestão deste tipo de informação. Ao mesmo tempo, a atuação do ICMBio como articulador de rede tem se voltado principalmente as ações de conservação da biodiversidade. Então, é necessário ampliar este escopo para abarcar também a atuação em relação ao monitoramento de patógeno em animais silvestres. Mais uma vez eu vejo o Centro de Informação em Saúde Silvestre, coordenado pela Fiocruz, como tendo um papel muito importante neste sentido.

CISS - Quais os desafios do ICMBio em se inserir no arranjo nacional coordenado pelo MAPA?

Rodrigo Jorge - Pelo fato do enfoque do ICMBio ser na Conservação da Biodiversidade, existe uma demanda muito forte em relação a coordenação das demandas de conservação da biodiversidade, de planejamento e de execução das secções de conservação e biodiversidade, mesmo tendo um quadro de servidores restrito. Então, o enfoque e atuação com foco nas doenças de importância econômicas e produção animal, acaba sendo restrito pela restrição de pessoal, mas entende–se que a possibilidade de atuação é através da coordenação de rede de pesquisadores e da gestão da informação.

CISS - Como, quando e para quem deve ser feita a notificação das doenças de animais silvestres no Brasil?

Rodrigo Jorge - O diagnóstico da circulação de patógenos que estão listados na instrução normativa do Ministério da Agricultura, deve ser notificado aos serviços de defesa animal dos estados e municípios conhecidos ou ao próprio Ministério da Agricultura. Entretanto, mais uma vez, uma das questões importantes é que eventualmente boa parte das iniciativas se constituem por projetos de pesquisa e não por iniciativas de monitoramento de forma mais sistemática. Mas de qualquer forma, casos de mortalidade de animais silvestres devem ser notificados, ou a área ambiental ou a área de defesa animal dos estados e municípios, sendo necessário haver uma articulação entre essas áreas. Por exemplo, caso a notificação ocorra pela área ambiental, deve ser notificado também à área de defesa animal. As doenças que são de importância para a saúde pública devem ser notificadas para os serviços de saúde dos estados e municípios.
Mais uma vez, eu vejo a importância de uma iniciativa de criar uma rede, assim como ferramentas e mecanismos para facilitar a notificação de casos de mortalidade ou de ocorrência de doenças em animais silvestres, como a que vem sendo coordenado pelo Centro de Informação em Saúde Silvestres da Fiocruz, que tem como vantagem o mecanismo de que qualquer cidadão por meio do aplicativo em um “smartfone” consiga notificar possíveis ocorrências de doenças com mortalidade nos animais silvestres, e ai fazer a gestão desta informação para que possa ser usada pelos serviços de defesa animal, pelo Ministério da Agricultura, Ministério da Saúde ou ainda pelo Ministério do Meio Ambiente, dependendo de qual for a suspeita da doença envolvida.