Saúde Silvestre e Humana: De olho na Febre do Nilo Ocidental

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Jessica Andrade de Oliveira - Equipe Pibss Fiocruz

O que é? 

A Febre do Oeste do Nilo, ou Febre do Nilo Oeste (FNO), é uma infecção viral aguda causada por um complexo de vírus do Gênero Flavivirus com potencial para acometer o sistema nervoso central (SNC) ou periférico. Assim como Dengue, Zika e Chikungunya, a FNO é uma arbovirose transmitida por mosquitos.

Linha do tempo 

Este vírus foi descoberto na África em 1937 e na década de 1990 foi introduzido nas Américas, levando a um surto na cidade de Nova Iorque (EUA) em 1999. Este surto fez com que os países do continente americano ficassem em alerta e investigassem possíveis casos de FNO em seus territórios. Desde então, a circulação deste patógeno na América do Sul foi evidenciada a partir da detecção de anticorpos em diagnósticos sorológicos de cavalos na Colômbia, Argentina, Brasil e Uruguai nos anos de 2004, 2006, 2011 e 2013, respectivamente. 

Em 2014, foi diagnosticado o primeiro caso humano de FNO no Brasil, no estado do Piauí. Até o momento, outros nove casos foram confirmados, também no Piauí.

Até pouco tempo, essa doença permanecia desconhecida para grande parte dos brasileiros, mas foi em 2020 que ela ganhou grande visibilidade na mídia com a morte do ator Clark Middleton, de 63 anos, conhecido por seus papéis nos seriados Twin Peaks, The Blacklist, Law & Order, além dos filmes Kill Bill: Volume 2 (2004), Sin City: A Cidade do Pecado (2005) e Expresso do Amanhã (2013). A Febre do Oeste do Nilo ou “West Nile Virus” (como é chamada em inglês) ficou em alta durante várias horas na plataforma Twitter após o óbito de Clark, visto que ele faleceu em razão das complicações da forma grave da FNO, gerando diversas dúvidas nas redes sociais acerca desta doença.

Quais os sintomas? 

A maioria das pessoas infectadas com o vírus da Febre do Oeste do Nilo é assintomática, mas cerca de 20% dos indivíduos infectados desenvolvem sintomas, que começam a se manifestar entre dois e 14 dias após a infecção. Os sintomas variam desde leves como febre de início agudo, acompanhada de náusea, anorexia e dores no corpo (cabeça, músculos e olhos), até manifestações clínicas graves como doença neurológica severa (meningite, encefalite ou paralisia flácida aguda). As formas graves da doença são menos frequentes (aproximadamente 1 a cada 150 indivíduos infectados) e acomete especialmente pessoas com idade superior a 50 anos, pacientes com câncer e pessoas transplantadas.

Diferente de outras infecções por vírus, pesquisas recentes indicam que mulheres grávidas não apresentam maior risco de infecção pelo vírus. O risco de morte também existe, mas geralmente ocorre quando não se consegue fazer o diagnóstico diferencial de outras doenças, há omissão no tratamento dos doentes, ou em casos em que já existam outras complicações na saúde do paciente.

Como se dá a transmissão? 

A picada de mosquitos infectados é o principal meio de transmissão de FON  Estudos realizados ao longo dos anos, em todo o mundo, indicam que os mosquitos do gênero Culex (pernilongos) são os principais vetores dessa virose, e de outras  encefalites como Encefalite de Saint Louis, Encefalite Equina do Leste, Encefalite Equina do Oeste e Encefalite Equina Venezuelana. 

O ciclo de transmissão tem as aves infectadas como as principais hospedeiras e amplificadoras. Os vírus após serem ingeridos com o sangue de aves infectadas  são replicados no intestino do mosquito. Depois migram para as glândulas salivares, de onde serão transmitidos para novos hospedeiros no momento da picada. Os mosquitos, após infectados, têm capacidade para transmitirem a FNO durante toda a vida. 

Apesar de poucos casos reportados, existe a possibilidade da transmissão do vírus da mãe para o feto (transmissão vertical) ou para o recém nascido. Ainda mais raros são os registros de transmissão a partir da amamentação, o que demanda mais estudos. Outras formas de infecção como por transfusão sanguínea e transplante de órgãos também podem ocorrer. Até o momento a transmissão por contato direto só foi demonstrada em algumas espécies de aves, mas nunca houve registros de transmissão de pessoa para pessoa.


Figura j: Ciclo epidemiológico e a transmissão do vírus da febre do Nilo Ocidental.
Fonte: Deidt/SVS/MS.

Quem infecta e quem é infectado? 

Os hospedeiros naturais da FNO são aves silvestres. Algumas delas são capazes de manter o vírus circulando no sangue (viremia) por até três meses e, por isso, são boas transmissoras para os mosquitos. Ao redor de todo o mundo, pesquisadores têm investigado quais são as espécies de aves com capacidade de manter e amplificar o vírus da FNO. Até o momento, alguns grupos tem se destacado, como por exemplo, as diferentes ordens que englobam as aves de rapina, a ordem dos Columbiformes que inclui rolinhas e pombas, a família dos corvídeos representada no Brasil pelas gralhas, e o gênero Turdus que é constituído pelos sabiás. Ainda, foram destacadas algumas aves que estão presentes no nosso cotidiano como joão-de-barro (Furnarius rufus), pardal (Passer domesticus), sanhaço-cinzento (Thraupis sayaca) e o tuim (Forpus xanthopterygius). 

Curiosamente, no Brasil, as espécies com vírus isolado e com anticorpos positivos, que indicam que aquele indivíduo já teve contato com o vírus da FON são, em maioria, espécies comuns com ampla distribuição no território nacional. Diferente do padrão observado em outros países, poucas espécies migratórias estão incluídas nas listas de testagem positiva, o que intriga cientistas acerca de como se deu a entrada do vírus em nosso país.

A equipe da Plataforma Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre da Fiocruz (Pibss) em parceria com diversos pesquisadores ornitólogos, está organizando uma lista geral que incluirá as espécies nas quais o vírus já foi detectado e outras com potencial para hospedar o vírus da FON. O objetivo deste documento vai além de construir e agrupar conhecimentos, a partir dele, também pretende-se facilitar a vigilância ativa nas diferentes esferas governamentais responsáveis pela saúde pública.

Além das aves silvestres, aves domésticas como patos, gansos, e principalmente, galinhas e frangos também são hospedeiras da FNO. Contudo, nestes animais os índices de viremia são baixos e não são suficientes para dar continuidade ao ciclo de transmissão do vírus, fazendo com que sejam apenas hospedeiras terminais/acidentais. Esta característica é um dos fatores que as tornam interessantes para serem sentinelas desta doença, além das aves naturalmente hospedeiras.

As sentinelas ideais são aquelas uniformemente suscetíveis a infecção por um agente infeccioso. Com alta resistência para a mesma, desenvolvendo respostas imunes detectáveis, com riscos de saúde insignificantes para manipuladores, além de não contribuírem para os ciclos de transmissão de patógenos locais, e por fim, elas destacam a patogenia antes do início de surtos de doenças na comunidade local.

Os hospedeiros acidentais da FNO não são apenas as aves domésticas, este grupo inclui também pequenos mamíferos, e ainda, os equídeos. Os equídeos, especialmente os cavalos, têm sido descritos na literatura como excelentes sentinelas para a vigilância de FON no mundo todo, inclusive no Brasil. Assim, como nos surtos de Febre Amarela, os casos de FNO em animais precedem os casos humanos, e já existem exemplos na Europa e América do Norte que demonstram que a vigilância de cavalos, jegues, mulas e burros é mais fácil e financeiramente mais viável do que a vigilância de aves. O estado de saúde desses animais é monitorado de perto por seus zeladores, de forma que sinais de adoecimento são rapidamente reportados para veterinários, e estes podem acionar os órgãos públicos responsáveis para investigar a situação. Por isso, uma boa estratégia é priorizar o investimento em treinamentos de veterinários e proprietários destes animais para que possam aprimorar seus conhecimentos para suspeitar e identificar os sinais clínicos de cavalos afetados. Além disso, é importante que saibam coletar, acondicionar e enviar corretamente amostras biológicas para os laboratórios de referência para o diagnóstico.

A consciência e entendimento da forma de transmissão, da manifestação e dos riscos por parte da população e, especialmente dos veterinários, zootecnistas e profissionais de saúde humana que trabalham na vigilância em saúde e estão em contato com as famílias, são essenciais para a detecção precoce do vírus. A detecção precoce é sempre o caminho mais importante para evitar surtos e epidemias. 

De acordo com as premissas da iniciativa para uma “Saúde Única”, ações, setores, gestores e pesquisadores da saúde humana, animal e do ambiente precisam ser integradas para que medidas efetivas de políticas públicas sejam planejadas, implementadas e continuamente avaliadas em nível local, nacional, regional e global. Com base nesses preceitos, a plataforma SISS-Geo contribui como ferramenta na vigilância ativa e passiva da FNO (assim como de outras zoonoses), pois com ela é possível registrar aves, equídeos e todos os animais de importância para saúde pública, acionando imediatamente os órgãos responsáveis em casos de animais mortos ou doentes. 

Destacando que a FNO é uma doença de notificação compulsória e imediata, compondo a Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de saúde Pública, todos os casos humanos suspeitos, e de morte de aves silvestres e de equídeos com sintomas neurológicos devem ser notificados ao Ministério da Saúde. O SISS-Geo já demonstra rapidez e agilidade para que a coleta de informações e de materiais biológicos ocorra de forma eficaz, e em tempo hábil para o controle e prevenção de eventos zoonóticos, e sem dúvidas se tornará um grande aliado na notificação da FNO. 

Resultados preliminares da lista brasileira de aves potenciais hospedeiras para FNO, apontam que cerca de 37% das espécies elencadas já foram registradas no SISS-Geo, reforçando o quanto este método tem competência para se tornar o material de referência na vigilância de FNO junto aos órgãos de saúde pública do Brasil.

Como se prevenir?  

- Ainda não há vacina para Febre do Nilo Ocidental, e a única maneira efetiva de se prevenir é evitar picada de mosquitos com as medidas já conhecidas para demais arboviroses: 

- Redução dos criadouros: eliminar todos os recipientes e locais que possam acumular água; 

- Evitar locais sem saneamento básico, pois pernilongos criam-se em fossas e em remansos de rios e/ou em lagoas poluídas; 

- Instalar tela nas janelas e portas em ambientes com grandes populações de mosquito;  

- Usar inseticidas e larvicidas, optando por produtos naturais. Porém, é preciso cuidado, buscar as informações de uso, e segui-las, é essencial; 

- Uso de repelentes atentando para as condições de uso informadas pelo fabricante; 

- Evitar manusear animais mortos quando possível. Nos casos imprescindíveis, deve-se usar luvas duplas de procedimento, máscaras e óculos de proteção, que fornecem barreira protetora entre a pele, boca e olhos e sangue ou outros fluidos corporais.

Quais os tratamentos? 

O tratamento específico para FNO nos casos leves e moderados é sintomático, com indicação de repouso e uso de analgésicos para os eventos de dor e febre. Nas formas graves da doença, com comprometimento do SNC, recomenda-se hospitalização imediata do paciente em unidade de terapia intensiva (UTI), onde os tratamentos específicos para pacientes com quadros de encefalites ou meningoencefalite graves serão realizados, reduzindo risco de morte.

Possível pandemia? 

Ao enfrentar um evento pandêmico, como foi o caso da COVID-19, nossa sociedade se assusta ao deparar-se com informações acerca de um vírus “novo”, ou pouco conhecido. Todavia, alguns médicos opinam que é pouco provável a possibilidade da Febre do Oeste do Nilo se tornar uma pandemia mundial em razão da transmissão depender de mosquitos vetores e não haver transmissão, até agora conhecida, de pessoa para pessoa, o que dificultaria a rápida disseminação da doença. No entanto, é preocupante a possibilidade de surtos e do estabelecimento da doença em regiões onde haja abundância dos vetores. 

Já existem trabalhos que indicam a relação no aumento de casos de FNO nas últimas décadas com as mudanças climáticas globais. O aumento da temperatura, por exemplo, é um fator que contribui de forma importante para a multiplicação de mosquitos e dos vírus nos mosquitos. Junto a isso, estão as alterações ecológicas produzidas pelo homem, onde novos ambientes são formados e os mosquitos, que são altamente adaptáveis, encontram no homem e em animais domésticos, fontes sanguíneas, que podem constituir novos hospedeiros de agentes infecciosos, resultando na emergência e reemergência de agentes patogênicos.

Não queremos dar sorte ao azar, e nem aos mosquitos! Por isso, para o bem de todos, ajude a evitar água parada, e quando encontrar uma ave viva, morta ou doente ou um equídeo morto ou doente, não pense duas vezes, envie imediatamente o seu registro no app SISS-Geo (disponível na Google Play e na Apple Store). 

Fontes: 

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