Dimensões Humanas da Saúde Silvestre

Crédito
Silvio Marchini e Katia M.P.M.B. Ferraz

Um senhor que costumava frequentar as margens do rio Piracicaba para pescar morre de febre maculosa, engrossando a lista de vítimas dessa doença altamente letal que é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii e transmitida pela picada do carrapato-estrela, cuja principal hospedeira é a capivara. No maior parque urbano da cidade de Maringá, no interior do Paraná, vários saguis são encontrados mortos. Por precaução, o parque é fechado ao público. Exames de laboratório põem fim ao mistério, revelando que as mortes tinham sido causadas por herpes, certamente contraído de humanos. No Rio de Janeiro, uma epidemia de dengue, disseminada pelo mosquito Aedes aegypti, causa dezenas de mortes. As notícias da tragédia afastam os visitantes que eram esperados para o feriado de Tiradentes, resultando em um prejuízo superior a 30 milhões de reais ao setor turístico. As zoonoses – doenças que são transmitidas de animais para humanos ou de humanos para animais – constituem, de fato, séria ameaça à conservação da vida silvestre, à economia, e à saúde de animais e humanos.
Os exemplos acima, todos reais, ilustram a diversidade de doenças, patógenos, vetores, hospedeiros, ambientes e impactos sociais e econômicos que compõem o universo da Saúde Silvestre. Por mais variadas que possam parecer as três situações, elas têm algo em comum: foram causadas por comportamentos humanos. A vítima de febre maculosa ignorou a sinalização de perigo colocada pela prefeitura de Piracicaba nas areas infestadas por carrapatos. Visitantes do parque em Maringá, talvez com boas intenções mas pouco conhecimento, ofereceram bananas ou biscoitos aos saguis, mas antes morderam o alimento, contaminando-o com o herpesvirus em sua saliva. A população do Rio de Janeiro, a exemplo da de outras areas endêmicas de dengue, descuidou dos reservatórios de água em suas casas que servem de criadouros para o vetor da doença. Os turistas que deixaram de visitar o Rio, por outro lado, foram cuidadosos, embora outros cuidados, como o uso de repelente, talvez tivessem garantido uma visita segura, sem prejuízos para a economia.
A implantação de novas práticas para o desenvolvimento sustentável que garantam a saúde humana, da fauna e da flora brasileira exige, portanto, uma abordagem interdisciplinar que vá além das considerações ecológicas e ambientais e inclua, também, a dimensão comportamental. Essa é a proposta do campo emergente de Dimensões Humanas da Vida Silvestre, que se apoia em teorias e métodos das ciências sociais - com foco em conceitos como percepção de risco e de controle, cognições e sentimentos, motivações e barreiras - para entender, prever e mudar pensamentos e comportamentos humanos em relação à vida silvestre.

Qualquer pessoa pode participar do esforço de monitorar doenças que circulam na natureza ou nas bordas de ambientes rurais e urbanos, antes que cheguem às pessoas, registrando ocoorências no aplicativo do Sistema de Informação em Saúde Silvestre – SISSGeo que é uma ferramenta informatizada para o registro, em aparelhos mobile e via web de observações de animais no campo.

O SISS-Geo está disponível para download nas lojas virtuais Google Play e Apple Store.

 


Sobre os autores da matéria:
 

Silvio Marchini é Biólogo, PhD em Conservação da Vida Silvestre pela Universidade de Oxford e pós-doutorando no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da ESALQ/CENA/USP.
Katia Ferraz é Bióloga, Professora Doutora do Departamento de Ciências Florestais (LCF) da ESALQ/USP. Coordena o Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação de Fauna Silvestre (LEMaC, LCF/ESALQ/USP).